Coreia do Norte
LIBERDADE RELIGIOSA NO MUNDO
RELATÓRIO 2023
POPULAÇÃO
25.840.863
ÁREA (km2)
120.538
PIB PER CAPITA
18.009 US$
ÍNDICE GINI
N/D
Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efetiva
A Constituição da Coreia do Norte de 1972 (revista em 2016)1 garante, ao abrigo do artigo 68.º, “a liberdade de crença religiosa”. Este direito inclui “a aprovação da construção de edifícios religiosos e a realização de cerimônias religiosas”, mas menciona que “a religião não deve ser utilizada como pretexto para atrair forças estrangeiras ou para prejudicar o Estado ou a ordem social”.
Ao mesmo tempo, o artigo 3.º afirma: “A República Popular Democrática da Coreia orienta-se nas suas atividades pela ideologia juche e songun, uma visão do mundo centrada nas pessoas, uma ideologia revolucionária para alcançar a independência das massas.”2 A ideologia juche implica a ideia de “autossuficiência”.3
O Preâmbulo da Constituição consagra o lugar de Kim Il Sung e o do seu filho e primeiro sucessor na mitologia nacional da Coreia do Norte. “Os grandes camaradas Kim Il Sung e Kim Jong Il são o sol da nação e a estrela da reunificação nacional. No que diz respeito à reunificação do país como a suprema tarefa nacional, eles dedicaram todos os seus esforços e cuidados à sua realização. […] Sob a liderança do Partido dos Trabalhadores da Coreia, a República Popular Democrática da Coreia e o povo Coreano defenderão os grandes camaradas Kim Il Sung e Kim Jong Il como os eternos líderes da Coreia juche, e levarão até ao fim a causa revolucionária juche, defendendo e levando por diante as suas ideias e realizações”.4
Incidentes
e episódios relevantes
Apesar das proteções constitucionais, todos os artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem são, de uma forma ou de outra, negados ao povo da Coreia do Norte.
Em setembro de 2022, a Relatora Especial da ONU, Elizabeth Salmón, comentando a situação dos direitos humanos na República Popular Democrática da Coreia (RPDC), declarou: “A responsabilização pelas violações dos direitos humanos em curso e passadas na e pela RPDC continua a ser fundamental para melhorar os direitos humanos e garantir a justiça na RPDC.”5
A secretária-geral Adjunta Ilze Brands Kehris afirmou que “as informações do Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos continuam a sugerir que existem motivos razoáveis para crer que foram cometidos crimes contra a humanidade na República Popular Democrática da Coreia e que estes podem estar em curso. Exortamos o Governo da República Popular Democrática da Coreia a empenhar-se nas reformas sistêmicas necessárias para pôr termo a todas as violações dos direitos humanos e a pedir contas aos responsáveis”.6 Além disso, devido à COVID-19, o número de fugitivos que entram na Coreia do Sul diminuiu significativamente, enquanto as pessoas repatriadas continuam a enfrentar duras repercussões.7
Os Norte-Coreanos são obrigados a demonstrar total devoção à dinastia Kim no poder. No centro do programa de doutrinação da Coreia do Norte estão os Dez Princípios para o Estabelecimento do Sistema de Uma Ideologia (os Dez Princípios),8 que formam a vida de cada norte-coreano desde a primeira infância. Os Dez Princípios determinam que toda a sociedade norte-coreana deve acreditar apenas na família Kim. Qualquer desvio ou suspeita de deslealdade, através da adoção de uma crença religiosa, é punido.
O sistema songun da Coreia do Norte, que classifica as pessoas de acordo com a sua lealdade ao regime, determinando o acesso a bens de primeira necessidade, como os cuidados de saúde, classifica os Cristãos como “hostis”.9
Tal como mencionado em um relatório de 2021 intitulado Persecuting Faith (Perseguir a Fé) da Korea Future, uma ONG que monitoriza os direitos humanos na Coreia do Norte, “as violações sofridas pelas vítimas apresentam fortes semelhanças, incluindo a privação arbitrária da liberdade; a negação do direito a um julgamento justo; a expulsão; e a tortura ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes”.10 O estudo, que abrange o período entre 1997 e 2018, baseia-se em 167 casos de violações dos direitos humanos envolvendo 91 cristãos.11
É quase impossível identificar casos individuais de violações dos direitos humanos, porque muito poucos estrangeiros são autorizados a entrar no país. As informações recolhidas por comissões internacionais e grupos de defesa dedicados são, por conseguinte, cruciais. Mesmo assim, quaisquer conclusões são, na melhor das hipóteses, aproximações baseadas na capacidade dos investigadores para analisar informações limitadas.
O Centro de Base de Dados para os Direitos Humanos da Coreia do Norte (NKDB) publicou o seu relatório anual intitulado Livro Branco de 2020 sobre a Liberdade Religiosa na Coreia do Norte. Este último documenta, em 31 de julho de 2020, 78.798 casos de violações dos direitos humanos envolvendo cerca de 48.822 pessoas. Entre 2007 e 2020, foram comunicados pelo menos 1.411 casos específicos de violações da liberdade de religião ou de crença pelas autoridades da Coreia do Norte. As infrações incluíam propaganda e atividades religiosas, posse de materiais religiosos e contato com pessoas envolvidas em atividades religiosas.12
Em 2022, o grupo de defesa Open Doors estimou que cerca de 400 mil cristãos vivem na Coreia do Norte. Se forem descobertos “pelas autoridades, são deportados para campos de trabalho como criminosos políticos ou mesmo mortos no local, e as suas famílias partilharão também o seu destino”.13
A capital, Pyongyang, tem cinco igrejas sancionadas pelo Governo (três protestantes, uma católica e uma ortodoxa), “mas o acesso a essas instalações para fins de atividade religiosa genuína, especialmente por pessoas comuns, é ‘fortemente restringido'”.14
As religiões populares e as crenças supersticiosas não estão isentas de repressão. O Xamanismo ainda é praticado, mas é considerado ilegal. As práticas são realizadas na clandestinidade e sem organização formal, uma vez que os praticantes podem ser presos e enviados para campos de reeducação e de trabalho.15 No entanto, apesar do risco, diz-se que os funcionários norte-coreanos consultam secretamente adivinhos, como Lee Ye-joo, que, após a sua deserção para a Coreia do Sul, declarou que “as únicas pessoas que procuram adivinhos são as que têm dinheiro, como os funcionários importantes”, que tendem a querer conselhos relacionados com o trabalho ou o casamento.16
Em 2019, o regime norte-coreano lançou uma ação repressiva contra os praticantes da Falun Gong. O movimento espiritual é severamente perseguido na China, mas tem crescido na Coreia do Norte graças aos migrantes norte-coreanos que trabalham do outro lado da fronteira na China.17 A repressão, pelo contrário, atraiu um maior interesse pelo Falun Gong, que se difunde principalmente no submundo de Pyongyang.18
Para além das violações da liberdade de religião e de crença cometidas pela Coreia do Norte, é importante considerar a política e as práticas da República Popular da China em relação aos norte-coreanos que fogem para o seu território. Em violação dos princípios humanitários internacionais da não-expulsão, Pequim tem uma política de repatriamento forçado que resulta em “graves violações dos direitos humanos aquando do repatriamento”.19 Em março de 2022, pensava-se que cerca de 1.500 norte-coreanos estavam detidos como migrantes ilegais e em risco de serem deportados da China.20
A Coreia do Norte já é o país mais isolado do mundo. Devido à COVID-19, tornou-se ainda mais inacessível, tornando extremamente difícil obter e avaliar informações fiáveis e verificáveis sobre a dimensão da pandemia no país e o seu impacto na liberdade religiosa. Um dos efeitos da crise sanitária foi o fechamento total das suas fronteiras e a imposição de restrições de viagem mais severas.21
O Arcebispo Emérito Victorinus Yoon Kong-hi, de Gwangju, afirmou no seu livro A História da Igreja Norte-Coreana que a Igreja Católica era vibrante antes da divisão do país e que, atualmente, a Igreja Católica está a crescer no Norte, apesar da perseguição contínua.22
Em agosto de 2022, o Papa Francisco manifestou interesse em visitar a Coreia do Norte, mencionando que, se recebesse um convite, iria certamente. Em 2018, Kim disse ao então Presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, que o Papa seria recebido “com entusiasmo”. No entanto, ultimamente as relações entre as duas Coreias têm-se tornado mais turbulentas. Por seu lado, o Papa Francisco exortou todos os Coreanos a “trabalharem pela paz”.23
Perspectivas para a
liberdade religiosa
Em 2018, realizaram-se conversações históricas entre os líderes da Coreia do Norte e da Coreia do Sul, e entre Kim Jong-un e o Presidente dos EUA, Donald Trump. Este fato trouxe alguma esperança de um possível descongelamento das relações, mas as perspectivas de uma melhoria das relações entre as duas Coreias foram novamente frustradas em 2019.
Desde o início de 2022, a Coreia do Norte continuou testando vários mísseis, incluindo 60 mísseis balísticos, o que consolidou o seu estatuto de pária entre a maioria dos líderes mundiais.24
A Comissão Americana da Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF) voltou a incluir a Coreia do Norte na lista dos países que suscitam especial preocupação e as sanções dos EUA foram reimpostas em novembro de 2022.25
Apesar de algumas aberturas, a realidade é que, enquanto o Governo de Kim Jong-un continuar na sua forma atual, incluindo a deificação da dinastia Kim, as perspectivas para todos os direitos humanos, incluindo a liberdade de religião ou crença, não têm esperança.
Notas e
Fontes
1 Korea (Democratic People’s Republic of) 1972 (rev. 2016), Constitute Project, https://www.constituteproject.org/constitution/Peoples_Republic_of_Korea_2016?lang=en (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
2 Ibid.
3 Pierre Rousset, “The geopolitics of crisis”, International Viewpoint, 11 de Dezembro de 2022, https://internationalviewpoint.org/spip.php?article7910 (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
4 Korea (Democratic People’s Republic of) 1972 (rev. 2016), op. cit.
5 “Media Statement by the UN Special Rapporteur on the situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea”, Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), 2 de setembro de 2022, https://www.ohchr.org/en/statements/2022/09/media-statement-un-special-rapporteur-situation-human-rights-democratic-peoples (acessado em 19 de Dezembro de 2022)
6 “Oral update on the situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea by the United Nations High Commissioner for Human Rights”, Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), 21 de março de 2022, https://www.ohchr.org/en/statements-and-speeches/2022/03/oral-update-situation-human-rights-democratic-peoples-republic (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
7 Ibid.
8 “What Are the ‘Ten Principles’?”, Daily NK, 8 de setembro de 2013, https://www.dailynk.com/english/what-are-the-ten-principles/ (acessado em 19 de Dezembro de 2022)
9 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, “Democratic People’s Republic of Korea”, 2021 Report on International Religious Freedom, Departamento de Estado Norte-Americano, https://www.state.gov/reports/2021-report-on-international-religious-freedom/north-korea/ (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
10 Persecuting Faith, Korea Future, 2021, https://static1.squarespace.com/static/608ae0498089c163350e0ff5/t/6185747b98a32923b43b7de8/1636136111825/Persecuting+Faith+-+Documenting+religious+freedom+violations+in+North+Korea+(Volume+2).pdf (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
11 Ibid.
12 2020 White Paper on Religious Freedom in North Korea, Religious Freedom Watch, Base de dados do Centro para os Direitos Humanos da Coreia do Norte, https://global-uploads.webflow.com/5e28ce521a254c96c4b83891/61b405508c79366844d6d3be_Summarized_White_Paper_on_Religious_Freedom_in_North_Korea_2020_(English).pdf (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
13 “North Korea: Full Country Dossier”, World Watch Research, Open Doors, Dezembro de 2022, https://www.opendoors.org.au/wp-content/uploads/2023/01/Full-Country-Dossier-North-Korea-2023.pdf (acessado em 5 de Fevereiro de 2023).
14 “North Korea continues to seriously restrict religious freedom: US”, Business Standard, 3 de Junho de 2022, https://www.business-standard.com/article/international/north-korea-continues-to-seriously-restrict-religious-freedom-us-122060300163_1.html (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
15 Anthony Kuhn, “Shamanism Endures in Both Koreas – But in the North, Shamans Risk Arrest or Worse”, NPR, 8 de Maio de 2021, https://www.npr.org/2021/05/08/973254913/shamanism-endures-in-both-koreas-but-in-the-north-shamans-risk-arrest-or-worse (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
16 Ibid
17 “North Korea Begins Crackdown on Falun Gong”, Radio Free Asia, 17 de Maio de 2019, https://www.rfa.org/english/news/korea/nk-falun-gong-05172019164536.html (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
18 Ibid.
19 Ji Da-gyum, “1,500 N. Koreans are at risk of being repatriated by China: UN investigator”, The Korea Herald, 18 de março de 2022, https://www.koreaherald.com/view.php?ud=20220318000486 (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
20 Ibid.
21 Sandip Kumar Mishra, “COVID-19 in North Korea: A State-fuelled Tragedy”, Relief Web, 18 de Maio de 2022, https://reliefweb.int/report/democratic-peoples-republic-korea/covid-19-north-korea-state-fuelled-tragedy (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
22 “Church grows in North Korea despite persecution: Korean archbishop”, UCA News, 17 de Maio de 2022, https://www.ucanews.com/news/church-grows-in-north-korea-despite-persecution-korean-archbishop/97294 (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
23 “Pope Francis asks North Korea to invite him to visit”, UCA News, 26 de agosto de 2022, https://www.ucanews.com/news/pope-francis-asks-north-korea-to-invite-him-to-visit/98553 (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
24 “Report to Congress on U.S.-North Korea Relations”, USNI News, 12 de Dezembro de 2022, https://news.usni.org/2022/12/13/report-to-congress-on-u-s-north-korea-relations (acessado em 19 de Dezembro de 2022).
25 “North Korea”, 2022 Annual Report, Comissão Americana da Liberdade Religiosa Internacional (USCIRP), https://www.uscirf.gov/sites/default/files/2022-04/2022%20North%20Korea.pdf (acessado em 19 de Dezembro de 2022).