Dom Juan José Aguirre, bispo de Bangassou, denunciou há duas semanas o ataque do grupo islâmico a uma missão em Gambo, na sua diocese, localizada na região sudeste da República Centro Africana. Se estima que houve 40 mortos, a maioria degolada pelas mãos dos jihadistas. O bispo falou para a ACN – Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre – sobre a situação atual e as calamidades que voltam a afligir a região no coração do continente africano.

 

Josué Villalón (ACN): Nesse mês de agosto, a missão de Gambo sofreu um ataque, com vários mortos e pessoas que tiveram de ser deslocadas. Qual é a situação atual de Bangassou?

Dom Aguirre
Dom Aguirre

Dom Aguirre:Não se pode entender o que está acontecendo hoje em Bangassou, se não voltamos aos ataques ocorridos aqui há quatro anos pelo seleka. Estes foram financiados por investidores de petróleo, apadrinhados pelo presidente do Chade e, assim, tomaram a metade do país. São jihadistas que colocaram a República Centro Africana de pernas para o ar. Quatro anos depois, o governo não fez nada para retirar o seleka, a administração também não, e nem a Minusca, os soldados da ONU, que inclusive convivem com eles como cúmplices. Agora, muitos jovens têm pegado as armas e se levantado contra o seleka. Conseguiram tirá-los da região e começaram a atacar a região muçulmana em Bangassou. O conflito está entre os muçulmanos e os não-muçulmanos, que incluem muitos animistas e membros de seitas que não são cristãs. Nós tentamos proteger os muçulmanos que estavam ilhados, buscando se proteger numa mesquita; havia muitas mulheres e crianças.

O que conseguiram fazer para ajudá-los?

Os defendemos por três dias, chegando a fazer até escudos humanos, e depois os levamos para o seminário da diocese, onde ainda estão depois de quase dois meses. Estamos sustentando 2100 pessoas com auxílio de algumas ONGs e outras instituições, embora algumas delas tenham abandonado Bangassou em razão de alguns incidentes que aconteceram e não voltaram. Os antibalakas estão indo para outras missões como Pema ou Gambo. Chegaram ali em resposta ao massacre do seleka que mataram a muitos não-muçulmanos. A última notícia que recebemosé que, depois de uma semana, ainda há corpos para serem enterrados. As pessoas estão muito decepcionadas com os soldados marroquinos da Minusca, que são soldados da ONU, supostamente em busca do estabelecimento da paz. Que Deus nos diga como sair deste labirinto.

 

Membros do grupo antibalaka
Membros do grupo antibalaka

 

O Senhor conseguiu visitar a missão de Gambo, atacada pelo seleka?

Ainda não pude ir à missão de Gambo, por mais que seja perto de Bangassou. De lá, chegaram 2 mil pessoas deslocadas. No próximo domingo, espero poder ir até lá celebrar a Santa Missa. Temos enviado para eles alimentos e outros itens de ajuda de emergência. Pedimos a um padre e a um jornalista de uma agência francesa para irem até Gambo de moto. Eles nos disseram que a situação é deplorável. Isso tudo só pode ser entendido como o silêncio de Deus. Pessoas morreram no hospital da Cruz Vermelha depois de serem degoladas. Corpos que sangraram até a morte e agora estão em decomposição, pois não se conseguiu ainda enterrá-los. Estima-se que sejam uns 40 mortos. Parece que metade das aldeias foi incendiada, a igreja foi saqueada e, também como a casa dos padres, incendiada. Será muito difícil a reconstrução, mas acontecerá, com a graça de Deus encontraremos uma maneira de recompor tudo.

Entretanto, o Senhor teve a oportunidade de cruzar a fronteira até o Congo e visitar alguns refugiados que estão lá. Como está a situação deles? Como foi a celebração eucarística que o Senhor celebrou com esses refugiados?

Foi muito bom. Atravessamos o rio de canoa, os antibalaka nos deixaram passar. Encontramos com cerca de 17 mil pessoas, das quais quase mil estavam na igreja nos esperando. Pudemos pregar alto e claro, levando esperança de novo para eles. Falamos que amanhã será melhor, que não podemos nos afogar como em um copo de água. Mas ainda há um certo grau de desespero. Falamos sobre a Virgem Maria porque era a festa da Assunção. Tentamos consolar e enxugar as lágrimas do meu povo. Em alguns momentos, não há nada para falar, só se pode ficar em silêncio e escutar. Essas pessoas têm passado por um grande sofrimento. Elas ficarão esperando no Congo até que a situação em Bangassou melhore. Eles retornarão, mas terão que recomeçar do zero novamente. Encontrarão suas vilas arruinadas e suas casas destruídas. Assim está a vida aqui, está muito difícil. O sofrimento é grande. Só temos o consolo de Deus e, quando Ele não fala, temos o seu silêncio.

 

Missa para os refugiados centro-africanos no Congo.
Missa para os refugiados centro-africanos no Congo.

 

Quais são as circunstâncias atuais em Bangassou para que se possa acabar com essa situação?

Um governo centro-africano e um exército nacional que coloquem disciplina no país. O exército nacional se chama FACA, que estão sendo formados, mais precisamente, pelos militares espanhóis. Mas eles se queixam por não possuírem armas. Entretanto, o armamento está entrando através do Chade, do Sudão do Sul e do Congo clandestinamente. Há muitos que estão se enriquecendo com o negócio bélico, controlado pelas multinacionais que incitam esses conflitos de baixa intensidade para lucrarem. O que acontece hoje conosco é um exemplo disso. Mas não perdemos a esperança de que podemos seguir adiante, com a cabeça erguida, apesar das dificuldades presentes. O Vaticano nomeou há pouco tempo como bispo auxiliar o sacerdote comboniano Jesús Ruiz Molina. Sua consagração a bispo será no dia 12 de novembro em Bangui. Com a sua ajuda, poderei acompanhar esse povo que está travando uma dura travessia pelo deserto.

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